A Comissão Episcopal Vocações e Ministérios criou um espaço no MySpace, as dioceses de Aveiro, Algarve e Madeira têm contas no Twitter e o Bispo do Porto divulgou as mensagens de Natal e Quaresma no YouTube. Estes são apenas alguns exemplos do que está a ser feito a nível nacional para que a Igreja esteja presente na Internet, uma área que já não é possível ignorar. O caminho que tem sido seguido não é uniforme, traduzindo diferentes entendimentos sobre o papel que a Internet deve desempenhar no anúncio da Boa Nova. Há quem não tenha correio electrónico ou página “online” e uma breve navegação permite perceber as diferenças abismais entre sítios com características dos primórdios da Internet e outros com (quase) todos os recursos da designada “Web 2.0”. A reacção das pessoas aos projectos em que foi feita uma aposta na qualidade do que é posto em linha mostra que esse investimento acaba por ser recompensado. A receita para o sucesso inclui o profissionalismo da estratégia de comunicação e a apreensão das características do meio, de maneira a passar a mensagem de forma adequada. Cada vez mais, a Internet exige da Igreja uma “atitude à Jesus”, ou seja, falar no meio dos homens em pé de igualdade, nomeadamente nas redes sociais. E deixa o desafio para que haja cada vez mais “cristãos upload”, que dão o seu contributo na rede global, e não apenas “cristãos download”, que aproveitam o trabalho dos outros. No dia 24 de Maio assinalou-se o 43.º Dia Mundial das Comunicações Sociais e o Papa Bento XVI propôs como mote para reflexão o tema “Novas tecnologias, novas relações. Promover uma cultura de respeito, de diálogo, de amizade”.
São freiras de clausura, mas não deixam de ter uma página na Internet. Logo que se clica aparece um sítio com a fotografia da comunidade do Carmelo da Imaculada Conceição, da sua “casa” no Bom Jesus, em Braga, e um endereço de correio electrónico. O contacto carmelobraga@carmelitas.pt é usado para as pessoas exporem os seus problemas às carmelitas e para lhes pedirem que os tenham em conta nas suas orações. As religiosas respondem e acompanham o desenrolar das histórias, muitas vezes também por “email”. Para este grupo, a Internet tornou-se num instrumento para comunicar com o exterior e para dar a conhecer ao mundo a congregação. A página, embora muito rudimentar e praticamente sem informação, já tocou o coração de uma mulher, que decidiu tornar-se consagrada de vida contemplativa.
A irmã Maria da Paz de Cristo é uma das religiosas para quem o correio electrónico se tornou numa ferramenta do seu dia-a-dia de trabalho, uma vez que aumentou a rapidez dos contactos e diminuiu os custos. A religiosa tem um “mail” com o seu nome, que usa para comunicar com os outros nove carmelos existentes em Portugal, com os superiores da congregação ou para divulgar junto da comunicação social as actividades que a comunidade promove. Em oito anos de utilização de correio electrónico só recebeu uma mensagem que considerou inadequada, pelo que a apagou imediatamente.
A religiosa sublinha que não perde tempo com a Internet e que os locais por onde navega são criteriosamente seleccionados. «Como temos o tempo muito preenchido, temos de fazer opções de valor. Não temos Internet por ter. A Internet é um instrumento de trabalho. Não nos vamos pôr a pesquisar à toa», explica.
O mesmo se aplica para os programas que a comunidade vê na televisão e para as publicações que recebe. «Temos que seguir certas normas de prudência e não podemos perder tempo. Há muita coisa que não nos interessa. Estes meios podem ser muito bons, mas têm de ser bem utilizados», refere.
Apesar da navegação cautelosa na Internet, a comunidade decidiu avançar com uma página, que inclui fotografias das freiras. No início, algumas pessoas manifestaram-se surpreendidas pela sua existência, uma vez que se trata de uma comunidade de vida contemplativa. No entanto, depressa o sítio se tornou num factor de ligação ao exterior, nomeadamente através do correio electrónico, que progressivamente tem vindo a substituir as cartas. «Sim, devemos manter o recolhimento, a separação do mundo, mas não alhear-nos dele. Devemos tê-lo presente para o entregar a Deus, com todas as preocupações que o envolve», afirma.
A irmã Maria da Paz de Cristo diz que o balanço da existência desta página na Internet é positivo, uma vez que tem servido para divulgar a comunidade, que actualmente é constituída por 18 freiras, tendo a mais nova 36 e a mais velha 91 anos. «Não se pode pretender que as pessoas queiram o que não conhecem», adverte.
A freira destaca que deve ser dada uma atenção muito particular aos jovens, que correm o risco de navegar à deriva por águas perigosas, sem valores que os norteiem. A pensar nos jovens que por ali poderiam passar, as religiosas deixaram um texto escrito especificamente para eles, intitulado “Queres ser feliz?”. E foi, justamente, esse convite que despertou a vocação de uma mulher, que acabaria por se tornar carmelita, e também a curiosidade de um homem. «Deus interpela quando menos se espera», frisa, defendendo que a Igreja deve «dar ensinamentos» para que as novas tecnologias «sejam bem utilizadas».
Cristãos pouco preparados para o debate
Presença muito diferente na Internet tem a Companhia de Jesus, nomeadamente com o portal EsseJota ou o blogue Companhia dos Filósofos. Participante assíduo em debates “online”, o jesuíta Alfredo Dinis defende que a Igreja deve ter uma intervenção activa na Internet, usando uma linguagem adequada ao meio.
O director da Faculdade de Filosofia de Braga considera que esta é uma área fundamental, na medida em que permite chegar a um público diversificado. O professor universitário pensa que é necessário aproveitar meios como os blogues (páginas que qualquer pessoa pode ter gratuitamente e sem que seja necessário possuir conhecimentos de programação, uma vez que os sistemas de criação e edição apresentam passos muitos simples de seguir) para «chegar a pessoas que habitualmente não vão à missa, aos retiros ou a outras actividades, mas que passam por ali e metem conversa».
«A Igreja tem um meio de “compensar” o fenómeno do esvaziamento das igrejas, da falta de pessoas na missa ou do aumento de crianças que não são baptizadas ou não vão à catequese, mas ainda não o levou muito a sério. É uma área que devemos levar mais a sério. Sinto quase uma certa ironia por parte de pessoas que não estão tão voltadas para estes meios, como se isto fosse um passatempo de quem tem ideias modernas», afirma.
Em seu entender, a actividade que tem desenvolvido, quer no blogue da Comunidade Pedro Arrupe, que conta com 22 elementos, 18 dos quais jovens estudantes de Filosofia, quer noutros locais, é de «autêntica catequese». «Não catequese no sentido mais tradicional do termo, de ensinar doutrina às crianças, mas catequese numa perspectiva mais moderna, de explicar com palavras que toda a gente possa entender as questões que mais problemas de compreensão causam, sobretudo aos não cristãos, mas também a muitos cristãos», justifica.
Alfredo Dinis tem participado em debates suscitados por quem discorda das posições da Igreja, como no Portal Ateu, e reconhece que existem graves lacunas ao nível da capacidade de diálogo dos cristãos com os não crentes. «Há cristãos que aparecem a dizer aos não crentes: “acredita no Senhor Jesus e serás salvo” e “vou rezar por ti”. Isso revela que há dificuldade em argumentar e encontrar uma linguagem adequada. Os cristãos não estão preparados para isso, o que é grave. Se queremos continuar a anunciar o Evangelho de Jesus, não podemos estar a repetir esquemas e chavões da nossa catequese», declara.
O académico identifica também um «equívoco», que se verifica mesmo entre «padres e cristãos comprometidos», que é o de se achar que é «uma perda de tempo» o diálogo com os não crentes porque eles não se querem converter. «Como não temos esperança que depois de um certo diálogo estas pessoas venham pedir o baptismo e a confissão, então não vale a pena estarmos a perder tempo com eles. Esta é uma perspectiva muito imediatista do que é a evangelização», explica.
Alfredo Dinis refere que um dos objectivos do blogue Companhia dos Filósofos, que tem aproximadamente 200 visitantes únicos por dia, é a formação para o sacerdócio, treinando «uma atitude, linguagem e maneira de estar com os não crentes que sejam adequadas aos nossos tempos». O docente admite que é um «exercício de humildade» para um padre ser tratado em pé de igualdade nas caixas de comentários ou nos fóruns. «É preciso aprender a estar com as pessoas sem estar num pedestal».
O jesuíta considera que «começa a haver passos muito tímidos» no sentido de corresponder aos desafios dos novos tempos, mesmo por parte da hierarquia da Igreja, com a dinamização das páginas das dioceses ou a colocação de vídeos no YouTube» (a página http://www.youtube.com pode ser usada para ver e colocar gratuitamente vídeos em linha).
Contudo, declara que os responsáveis pela hierarquia «deviam aprender a linguagem da comunicação dos mass media e do público em geral». «Não se pode usar a mesma linguagem quando se está a falar para um jornalista, para um grupo de fiéis na paróquia ou para responsáveis pela pastoral, mas a impressão que eu tenho é que muitas vezes não há diferenças», alerta. Por isso, defende que os bispos e os cristãos com responsabilidades devem «ouvir profissionais acerca da linguagem e argumentação mais adequada a cada caso».
Igreja tem de «fazer algo pelo ser humano»
O professor da Faculdade de Teologia de Braga João Duque defende que «a Igreja tem de estar presente nos sítios onde se dizem coisas». «Pelo menos desde São Paulo que a Igreja tem vindo a usar todos os meios possíveis para dizer o que tem a dizer. Até teve um lugar de topo no desenvolvimento das novas tecnologias», relembra.
João Duque é colaborador da revista digital ecuménica “Cristo e a Cidade”, que surgiu há um ano por iniciativa de Elias Couto, aproveitando «as possibilidades dos novos tempos». A revista procura reflectir sobre as implicações que a fé cristã tem do ponto de vista da cidadania, encarando o cristianismo no contexto urbano. «O nosso compromisso era – e é – não nos ausentarmos da praça pública, onde se decide o presente e o futuro da nossa “cidade”», pode ler-se na página na Internet.
A publicação só existe pelo facto de ser digital, o que diminui os custos. Por outro lado, tem um potencial de distribuição maior, uma vez que é gratuita e pode ser lida em qualquer parte do mundo. No primeiro ano de actividade, a revista digital conquistou uma média mensal de cerca de 600 leitores. «Há um público interno, que poderia ser público de outras revistas do género em papel. Mas temos visitantes que não conseguimos identificar e que poderão ser até não crentes, que nunca passariam pela revista se ela não estivesse “online”», explica.
O docente sublinha o potencial de divulgação que a Internet tem, constatando o seu efeito multiplicador, por exemplo, quando há retiros e outras actividades que são divulgadas “online”. «Há muitos participantes que não teriam vindo se não tivessem encontrado a informação na Internet», afirma.
No entanto, ressalva que «a Igreja tem um sentido mais profundo». «A sua missão não é apenas lançar uma mensagem. Vai mais fundo: fazer algo pelo ser humano. Na sociedade contemporânea há muito a fazer pelo ser humano que não se consegue fazer na Internet. É preciso trabalho de rua, no local, de acompanhamento das pessoas», diz.
O docente universitário recorda que «a Igreja nunca foi especialista em modas», pelo que este «é mais um meio que se introduz» para comunicar. «Sendo este meio muito importante, não se pode esquecer o contacto directo com as pessoas», adverte.
João Duque destaca o trabalho de proximidade que existe, por vezes de contacto quase diário com as pessoas nas paróquias e movimentos, que é um património de valor incalculável: «Seria uma perda do ponto de vista social, e não apenas para a Igreja, se essa ligação deixasse de existir».
O académico refere que a Igreja «não tem medo de participar», contudo admite que ainda há alguns «cristãos comodistas». «Há leigos cristãos suficientemente preparados e elucidados que podem e devem participar sem estarem à espera que sejam os padres ou os bispos a intervir», argumenta.
Em relação à participação de bispos em debates na Internet, o professor aconselha alguma prudência, que se relaciona com «o estatuto da palavra do bispo». «Ao ser-se nomeado para a função de bispo, assume-se o lugar de garante e vigilante da verdade básica da fé», recorda, sustentando que esta tarefa pode não ser inteiramente compatível com os «debates algo livres e descomprometidos» que se mantêm na Internet.
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
segunda-feira, 25 de maio de 2009
Ecclesia e Conferência Episcopal apresentam novos portais
Um design mais atractivo, mas sobretudo novas funcionalidades de agregação e partilha de informação. Esta é a aposta da Agência Ecclesia e da Conferência Episcopal Portuguesa, que apresentaram na semana passada os seus novos portais, antecipando o 43.º Dia Mundial das Comunicações Sociais.
O portal de informação aposta na conjugação das diferentes plataformas de publicação de conteúdos – texto, áudio e vídeo –, bem como em mecanismos de partilha nas redes sociais, divulgação no Twitter e ligação aos blogues de opinião.
O sítio da Conferência Episcopal também foi alvo de uma reestruturação, para que seja mais fácil encontrar a informação, mesmo por quem não conhece a terminologia específica da Igreja.
Os dois portais têm ligação a uma ferramenta de criação de sítios na Internet para estruturas ligadas à Igreja. Quem aderir a essa possibilidade criada pela empresa “Terra das Ideias” poderá receber automaticamente na sua página as notícias da Ecclesia. Da mesma forma, também as novidades introduzidas nesses sítios chegarão à Ecclesia, que fará a sua divulgação, aumentando a visibilidade.
O director da Agência Ecclesia refere que a mudança, tanto ao nível do aspecto como das ferramentas disponibilizadas, se afigurava «urgente», perante a constante mudança que se verifica no mundo da comunicação.
Desafiado a fazer uma avaliação da presença da Igreja na Internet, Paulo Rocha afirma ser positivo, correspondendo a uma «aposta com mais de dez anos».
O jornalista sublinha que há uma «grande variedade de experiências», algumas das quais aproveitam todo o potencial das novas tecnologias. Contudo, admite que, em alguns casos, «a forma poderia ser ainda mais atraente».
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
Projectos da Igreja têm de ser cada vez mais profissionais
Diocese de Aveiro está a implementar estratégia estruturada para a Internet
A Igreja já «apanhou o comboio» da presença na Internet, mas está mais próxima da «última carruagem» do que «da primeira classe». A imagem é apresentada pelo responsável pelo projecto de comunicação da Diocese de Aveiro, que depois da renovação do seu sítio avançou com um canal de televisão “online” e com uma conta no Twitter. Após a entrada na designada “Web 2.0”, o plano passa agora por usar as novas tecnologias ao serviço do apoio espiritual.
Fernando Cassola Marques refere que os projectos têm de ser «cada vez mais profissionais» e que «“o qualquer coisa serve” já não é suficiente». Este responsável lamenta que a Igreja tenha «ficado para trás» e que o panorama ainda seja «desolador», embora ressalve que «há exemplos felizes» e que a situação já esteve «bem pior». «Não faz sentido outra coisa que não sejam projectos profissionais, com estratégias pensadas por pessoas que percebam da área da comunicação», afirma.
Foi deste princípio que partiu a Diocese de Aveiro. Depois de uma fase de entusiasmo com a Internet no início da década, o processo estagnou. D. António Francisco dos Santos, antigo Bispo Auxiliar de Braga, foi encontrar uma diocese com muitas lacunas nesta área. A partir daí, Fernando Cassola Marques desenvolveu um plano «coerente do ponto de vista estrutural», para implementar ao longo dos anos. «O objectivo foi criar uma presença regular na Internet, pôr os novos meios tecnológicos ao serviço da evangelização e promover a partilha de ideias», explica este mestrando em novas tecnologias.
Primeiro foi trabalhada a página da diocese, depois veio a Web 2.0 (YouTube e Twitter) e seguir-se-á uma fase mais relacional, que visa mobilizar as pessoas para a participação. Em paralelo estão a decorrer esforços no sentido de aumentar a frequência de actualização da página e a colocação de mais vídeos, em articulação com o “Correio do Vouga”, semanário diocesano.
Este responsável destaca que as pessoas valorizam a interactividade e ferramentas que ainda nem todos os sítios na Internet têm. «A colocação da galeria de fotos acarretou um aumento da procura do “site”», exemplifica.
Não pondo de parte a possibilidade de se poder vir a falar com D. António Francisco dos Santos via Twitter, este profissional com formação em Informática e Teologia refere que as actuais tendências de comunicação «exigem da Igreja uma atitude “à Jesus Cristo”, que comunicava com as pessoas estando no meio delas». «A Igreja não se pode fechar dentro das suas portas. Os senhores bispos têm de acordar para esta realidade», adverte.
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
“A Caminho” diversifica ferramentas para a participação da comunidade
Projecto de dinamização litúrgica tem um ano de trabalho
O “A Caminho” é um bom exemplo da presença “online” da Igreja, perfeitamente integrado na Web 2.0. Caixas de comentários nos artigos, fórum, “chat” com o animador, presença no Twitter e RSS são algumas das ferramentas utilizadas, que se aliam a uma cuidada apresentação visual e de conteúdos.
O sítio na Internet surgiu há um ano, a partir de um projecto de dinamização litúrgica promovido por alguns seminaristas do Seminário Conciliar de São Pedro e São Paulo, em Braga, no âmbito do ano pastoral.
Na tentativa de introduzir uma nova dinâmica para a vivência do domingo, a equipa responsável pelo projecto cria, desenvolve, prepara e disponibiliza subsídios litúrgicos para quem deseja preparar convenientemente a liturgia dominical.
Mas o sítio é muito mais do que isso. É «um ponto de partilha de algumas sugestões para a liturgia, mas também de experiências e saberes da pastoral», onde é possível encontrar materiais nas áreas da catequese, música ou celebrações, bem como interagir com a equipa.
Recentemente, surgiu o projecto “Pegadas”, que tem por objectivo «fazer a ponte entre a liturgia e o mundo cultural, apresentando-o de forma independente, mas interligado com o boletim litúrgico do “A Caminho”».
O boletim cultural pretende ser «uma oportunidade para reflexões acerca dos acontecimentos culturais mais proeminentes, recensões de livros, crítica e análise cinematográfica, apreciação de um concerto musical, apresentação do vislumbre e da beleza de uma exposição de pintura, artigos de opinião que ajudem a reflectir a vida, entre muitas outras abordagens possíveis».
Os promotores lembram que «a “net” é hoje um meio em grande crescimento, onde qualquer pessoa ou instituição pode disponibilizar e partilhar informações e conteúdos relevantes». Por isso, afirmam, «os novos areópagos comunicacionais da era digital poderão ser uma óptima oportunidade para a Igreja anunciar com verdade e seriedade o Evangelho de Cristo, propondo a vida cristã como esperança para um mundo em mutação».
Qualidade e profissionalismo devem aumentar
O diácono Tiago Freitas refere que ao longo de um ano de actividade foi feito um esforço para melhorar o material que é apresentado na Internet. «Nunca chegámos a funcionar em papel», diz, explicando que a comunicação entre a equipa começou por se fazer por correio electrónico, depois veio o blogue e finalmente a página na Internet. Este responsável faz um balanço positivo da reacção das pessoas, pois a mensagem tem conseguido chegar a todo o país e mesmo ao estrangeiro, a países como a Alemanha ou Suíça.
O diácono sublinha a importância que é dada ao que as pessoas dizem nos espaços disponibilizados para deixarem os seus contributos, daí o objectivo de melhorar o funcionamento do fórum. No entanto, destaca que ainda existe «muita passividade». «Temos muitas pessoas de “download” [que descarregam para os seus computadores o material que é disponibilizado] e poucas de “upload” [que colocam o seu contributo em linha]», afirma, advertindo que os materiais disponibilizados são «uma base de trabalho e não o produto final».
A partir da experiência de trabalho na Internet, o diácono Tiago Freitas constata que «as pessoas procuram material com qualidade estética» e essa é uma área onde a Igreja «está a despertar». «A Igreja vai estando na Internet, mas não com a qualidade e o profissionalismo que poderia estar. Já se nota algum profissionalismo, mas ainda há muito caminho a percorrer», declara.
O segredo para o bom funcionamento do projecto passa pelo alargamento da equipa inicial e pela divisão de um trabalho que é «muito diverso e exigente». As tarefas estão divididas e os prazos de entrega estão estipulados, para que cada um possa gerir o seu tempo de maneira a cumprir o compromisso.
Em seu entender, a Internet pode ser usada pela Igreja em várias áreas, como por exemplo o apoio à catequese. «Não poderemos usar só a Internet, porque ela gera impessoalidade e a catequese exige a presença física. No entanto, pode ser usada para encontrar documentos, para permitir o contacto permanente ou para a partilha de experiências e materiais», exemplifica.
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
Vocações no MySpace
“Descobre um mundo que pensas já conhecer”. Este foi o desafio que a Comissão Episcopal Vocações e Ministérios lançou aos jovens no âmbito da 46.ª Semana das Vocações, levando-os até ao mundo do MySpace.
Esta estratégia foi desenvolvida pela agência B+, que começou pelo planeamento estratégico, que consistiu em «diagnosticar a situação, pesquisar a fundo a relação da Igreja com os cidadãos, estudar tendências comportamentais e, sobretudo, compreender os códigos dos jovens, público a quem se dirigia a mensagem, neste caso em concreto».
A responsável pela empresa, Sara Balonas, explica que a recomendação foi «que toda a comunicação se centrasse na plataforma web, criando uma página no MySpace», onde os jovens podem encontrar vídeos, fotografias, orações para descarregar no iPod, um espaço de blogue ou para criarem uma rede de amigos, entre outras funcionalidades. «Tem tudo a ver com a questão de saber o que fazem, onde estão e o que procuram os jovens, hoje», salienta.
Por outro lado, começaram a ser construídas pontes, dando «a conhecer melhor aspectos que possam interessar a esta camada mais jovem e também passar testemunhos reais por parte de quem escolheu a vida religiosa, desmistificando alguns assuntos».
«O MySpace reposiciona a Igreja na mente dos jovens. Cria pontes no sentido em que os faz sentir que são compreendidos. Começam a partilhar linguagens», justifica.
Sara Balonas explica que estratégia também passa pelo YouTube, onde há três filmes pensados para a promoção das vocações consagradas, que nas duas primeiras semanas tiveram mais de 20 mil visitas.
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
Redes sociais são instrumento de aproximação aos jovens
O professor da Universidade do Minho Luís Santos considera que a Igreja dever usar instrumentos como as redes sociais para manter a ligação aos adolescentes e jovens. «Muitas das queixas que se fazem relativamente à Igreja têm a ver com o seu eventual afastamento do mundo real. Estes passos, que felizmente não implicam grandes custos financeiros, ajudariam a quebrar essa ideia de falta de proximidade às preocupações concretas, às vivências reais dos adolescente e jovens», afirma.
O docente salienta que a Igreja tem de «ver onde é que as pessoas estão», não se podendo confinar à presença nos órgãos de comunicação que possui. «A Igreja tem uma ligação tão profunda com os adolescentes e jovens, pelo que poderia aproveitar a presença na Internet para a dinamização de grupos ou para a integração nas redes sociais que os jovens já têm», sustenta.
O antigo jornalista explica que, ao entrar nestes meios, é preciso resistir à tentação de «entrar para dominar», especialmente porque estas comunidades percebem facilmente quem marca presença por uma questão de oportunismo. «A atitude correcta é perceber como é que o meio funciona e entrar nele participando, dando contributos que geralmente são valorizados pelas comunidades», aconselha.
O investigador refere que a manutenção dos projectos ao longo do tempo é outro dos desafios. «Fazer as coisas esporadicamente é melhor do que não fazer, contudo é bem melhor reflectir sobre o contributo que aquela ferramenta pode dar e ter uma presença consistente. E a consistência dá trabalho, porque criar um blogue ou uma conta no Twitter demora poucos minutos», argumenta.
Questionado sobre se, depois de a agência ACIPrensa ter criado uma conta no Twitter para difundir as notícias relacionadas com o Santo Padre, é expectável ver Bento XVI a “tuitar”, Luís Santos diz que isso seria «muito interessante», assim como a sua participação numa conversa “online”.
«João Paulo II fez coisas que outros Papas não tinham feito antes e, para aquela época, foi revolucionário. Não vejo nenhum problema em que o Papa, em 2009, tente enquadrar-se no mundo em que vive e aí querer ter uma voz activa», afirma o académico.
O especialista em Ciências da Comunicação considera que uma iniciativa desse género «será mais problemática se for para dar um título de jornal». «Se for feito de forma consistente e se for um projecto em que o Papa e os seus conselheiros acreditem, parece-me interessante», revela Luís Santos.
Em relação aos meios de comunicação social da Igreja, o professor universitário considera que eles devem dar o exemplo, «num momento em que se sente intranquilidade, nervosismo e algum exagero nas propostas de alguns órgãos de comunicação».
«Os meios de comunicação social da Igreja podem ter um papel muito importante, não apontando o dedo, mas funcionando como exemplo. Se há algo pelo qual os órgãos de comunicação da Igreja se podem diferenciar é pela forma como tratam os assuntos», sustenta.
O investigador acrescenta que gostaria de ver os “media” da Igreja a «integrar os contributos da comunidade», rentabilizando esse enorme potencial que existe. «É algo que ainda não está a ser feito convenientemente em Portugal. Os órgãos da Igreja aí até poderiam ser pioneiros», assevera.
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
Internet está a mudar as relações entre as pessoas
Professor da Universidade do Minho fala do mundo da comunicação
O professor da Universidade do Minho Luís Santos defende que a Internet está a contribuir para a mudança das relações entre as pessoas. O investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade duvida que seja possível continuar a imaginar a vida social organizada de acordo com estruturas tão compartimentadas como até agora. O antigo jornalista ressalva que não são as ferramentas que determinam a forma como vivemos a nossa vida e considera que pode ser agoniante andar a saltar de novidade em novidade como se cada uma delas fosse a definitiva.
O que é que se está a passar no mundo da comunicação?
Uma mudança no centro gravitacional dos processos. Se durante alguns anos se disse que se trabalhava para o leitor, para o ouvinte e para o telespectador, na realidade os produtos eram concebidos com base em dados estatísticos que apontavam para a massa, para a qual se trabalhava. Apesar de não ser daqueles que acham que se está quase no lugar oposto, no triunfo da leitura, da escuta e do visionamento individual, em que o indivíduo é que tem o comando total do processo, penso que o desequilíbrio nos pratos da balança alterou-se de alguma maneira.
Nos últimos anos, sobretudo depois de 2003-04, assistimos ao aparecimento de uma série de ferramentas, através da Internet, de auto-publicação e de criação de redes sociais, que permitem aos indivíduos, por um lado, seleccionarem com muito mais detalhe as suas dietas pessoais de “media” e, por outro, partilhar o que vêem, ouvem e lêem, mas também o que pensam.
Apesar disso ter acontecido na Internet, seria errado pensar que este é um fenómeno que se confina à Internet. Isto teve, está a ter e terá ainda mais ramificações noutros meios. Hoje em dia não se concebe uma relação entre quem faz um jornal e os seus leitores que não passe por alguma forma incrementada de atenção ao que as pessoas pensam. São muitas as tipologias de interacção, desde a disponibilização dos endereços de correio electrónico dos jornalistas a espaços para comentários, mas elas existem e não se confinaram à Internet.
Esse potencial está a ser aproveitado?
O campo tornou-se muito mais complexo, mas também mais rico. Hoje já é difícil identificar fluxos de informação muito lineares de quem produz para quem consome. Contudo, há muitos órgãos de informação que só nominalmente é que estão a aproveitar estas novas potencialidades: disponibilizam os endereços de correio electrónico dos jornalistas ou espaço para blogues, mas é quase só porque parece bem terem estas ferramentas, uma vez que depois nada fazem com aquele material.
Para além disso, há nalgumas sociedades, e Portugal será um exemplo disso, um défice de participação cívica. Durante anos e anos, as pessoas habituaram-se a não interagir com frequência e com facilidade com os jornais. Lembremo-nos que, há 10 ou 15 anos, para se interagir com os jornais, era preciso escrever uma carta ao senhor director, pôr um selo e metê-la no correio, o que implicava um investimento pessoal muito grande em termos de tempo e dinheiro. Eventualmente, passadas umas semanas, recebia-se uma resposta-tipo de três linhas a dizer que o jornal agradecia o comentário.
Podemos ter da parte dos “media” alguma resistência a aceitar a “interferência” dos leitores, ouvintes, telespectadores, mas também podemos ter os cidadãos a acharem que não vale a pena participar, pois o que vão dizer não vai ser escutado. A combinação destes processos leva a que a participação ainda seja limitada, muito pouco dinâmica, e que haja poucos resultados efectivos da contribuição dos leitores, ouvintes, telespectadores para a definição do produto que é apresentado.
Este cenário implica que os diferentes actores reaprendam os seus papéis?
Se imaginarmos o melhor cenário possível, implica, de facto, alterações para todos os actores. Há quem imagine o pior cenário possível, que é dizer que os “media”, nesta altura, já são redundantes: já não precisamos dos jornais, da rádio e da televisão porque o cidadão individualmente vai à procura da informação. Pessoalmente, considero que, pelo menos para o enquadramento português, isso não tem nenhuma sustentação na realidade. A maior parte das pessoas não teria sequer competências básicas de domínio das ferramentas para procurar a informação relevante.
Por outro lado, continuo a acreditar que as pessoas, tal como confiam nos médicos, advogados, professores ou polícias, também confiam num profissional que seja capaz de, com honestidade, lhes dar uma imagem do que está a acontecer. A nossa sociedade sedimentou-se com base na especialização e delegamos nas outras especialidades a gestão de parte da nossa vida. Esse funcionar social ainda mantém alguma validade. Há já muitas mais nuances nesse viver, mas ainda mantém alguma validade.
Mesmo mantendo-se alguma validade, isso não quer dizer que as posições relativas de cada actor neste processo se tenham mantido estáticas. Ser jornalista hoje em dia é muito mais exigente do que há 20 anos. Ser jornalista hoje já não significa só saber escrever bem e integrar-se bem numa redacção. Significa estar muito mais atento ao que as pessoas dizem, integrar muito mais os seus contributos e ter uma atitude que eventualmente nos últimos anos não foi tida, que é a de honesta humildade, que passa por pensar que se sabe muito pouco sobre determinado assunto, procurar quem sabe mais e apresentar isso de forma transparente, para que possa ser julgado.
Há uma mudança interessante na profissão: sendo necessário que seja mais especializada, mais fiel aos factos, também é preciso que se abra mais. O jornalismo vive entre a pressão para se especializar, para ser mais consistente, mais competente, mas igualmente para se abrir mais e para integrar mais os contributos das pessoas.
E os cidadãos?
A educação para os “media” é uma competência que teria de estar mais vincada no currículo do ensino obrigatório. Se há 20 ou 30 anos ser competente para estar atento aos “media” envolvia pouco mais do que saber ler bem, hoje isso é insuficiente porque o mundo é muito mais complexo e globalizado e as coisas acontecem a um ritmo muito maior.
Se há mais exigências para os jornalistas também há mais exigências para o cidadão. Os cidadãos devem não só perceber os conteúdos que lhe são oferecidos, mas saber utilizar ferramentas de interacção para, se tiverem vontade, exprimirem a sua opinião, para fazerem sugestões, para publicarem conteúdos.
Se, por um lado, temos uma cultura informativa que parece ter valorizado mais o cidadão, por outro, o cidadão também tem de se valorizar mais a ele próprio. Não chega os jornais abrirem espaços para a participação. Importa que as pessoas também saibam participar e acrescentar valor, com respeito, dignidade e correcção. Uma das queixas que às vezes é usada como desculpa para não se abrirem mais os jornais aos contributos dos leitores, é que, quando se abrem as caixas de comentários, metade são insultos ou insinuações não comprovadas. Há um caminho a percorrer por parte das empresas, dos jornalistas, mas também por parte dos cidadãos. Se quero ter o direito a participar, tenho de saber participar...
Esta é uma indústria que está habituada a reinventar-se, pelo que acredito que a empresa, o jornalista e o cidadão vão saber reinventar os seus lugares relativos nesta relação, que se espera mais equilibrada.
É ponto assente que o que se passa na Internet não pode ser ignorado?
O que se passa na Internet não pode ser ignorado, mas também não pode ser sobrevalorizado. Agora já se fala menos dos blogues – fenómeno que sempre achei que não devíamos sobrevalorizar – e fala-se mais de redes sociais. Estas são ferramentas que estão, de facto, a mudar as relações sociais entre as pessoas. Elas estão a aproximar pessoas, na medida em que permitem barreiras geográficas ou de outro tipo que se criariam naturalmente no convívio pessoal. Através das ferramentas da Internet, as pessoas ligam-se pelas ideias e não pelo que vestem.
No entanto, não sou ingénuo ao ponto de pensar que nestas redes não se replicam estruturas de poder, porque se replicam; que não se replicam comportamentos desviantes, porque replicam. Para o melhor ou para o pior, na “net” não estão uns seres transparentes e limpinhos, estamos nós. Na “net” estão as pessoas, que têm comportamentos de pessoas.
É muito difícil argumentar que estas coisas continuam apenas a ser uma moda. Já são moda há demasiado tempo. Elas vão-se reconfigurando, mas há um padrão, há traços permanentes: o indivíduo vai ter múltiplas formas de se auto-exprimir, de auto-publicar os seus materiais e de se relacionar com os outros não presencialmente.
As novas redes sociais “online” podem provocar uma reconfiguração da sociedade?
Apesar de todos os exageros e coisas erradas que existem, este momento tem a vantagem de ser de pureza, em que as estruturas pesadas do nosso viver social ainda não têm um domínio destes espaços. As pessoas conseguem organizar-se por interesses pessoais, por temas. É muito natural que as estruturas tradicionais percebam que têm de estar presentes e tentem entrar e que se venha a perder alguma inocência da organização “ad hoc”.
Contudo, não sei se vai ser mais possível continuarmos a imaginar que a nossa vida social se organizará de acordo com estruturas tão compartimentadas como até agora: para as reivindicações laborais temos os sindicatos, para votar temos os partidos, etc... Imagino que as pessoas vão querer ter associações mais livres, menos permanentes, mas mais de acordo com os seus interesses de determinado momento. Nesse enquadramento, pode ser que as pessoas estejam menos tempo presas às coisas, mas tenham mais disponibilidade para se ligarem a mais coisas. Esse será um mundo mais flexível. Não acho que isso seja necessariamente bom ou mau. O que importa é adaptar a nossa presença a essa realidade.
Ai de quem não usar a última ferramenta disponibilizada?
Como em todas as áreas, há quem ache que o próximo canivete é o canivete mágico. É a coisa que nos vai livrar de todos os problemas. Agora é que é. Mas, na verdade, até agora nunca tem sido porque o que nós fazemos com as coisas é utilizá-las para a nossa vida. Não são as ferramentas que determinam a forma como vivemos a nossa vida. O que fazemos é apropriarmo-nos das ferramentas para lhes dar uma determinada utilização. Se nos facilitam a vida nós utilizámo-las, se não facilitam deixamos de usá-las. A nossa vida vai mudando, mas tem muitas permanências.
Acho muito salutar estar atento às ferramentas e usá-las de uma forma salutar. Deve ser uma existência muito agoniante embarcar nesta moda e daqui a três meses mudar para outra coisa nova e assim sucessivamente, sempre com a sensação de que estamos de fora. Com certeza estamos sempre de fora de alguma coisa. Temos é que perceber o que é que para nós é importante. Se determinadas coisas forem importantes para a nossa vida, é importante participarmos nelas. Se não forem, não vejo problema nenhum em não participarmos.
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
O professor da Universidade do Minho Luís Santos defende que a Internet está a contribuir para a mudança das relações entre as pessoas. O investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade duvida que seja possível continuar a imaginar a vida social organizada de acordo com estruturas tão compartimentadas como até agora. O antigo jornalista ressalva que não são as ferramentas que determinam a forma como vivemos a nossa vida e considera que pode ser agoniante andar a saltar de novidade em novidade como se cada uma delas fosse a definitiva.
O que é que se está a passar no mundo da comunicação?
Uma mudança no centro gravitacional dos processos. Se durante alguns anos se disse que se trabalhava para o leitor, para o ouvinte e para o telespectador, na realidade os produtos eram concebidos com base em dados estatísticos que apontavam para a massa, para a qual se trabalhava. Apesar de não ser daqueles que acham que se está quase no lugar oposto, no triunfo da leitura, da escuta e do visionamento individual, em que o indivíduo é que tem o comando total do processo, penso que o desequilíbrio nos pratos da balança alterou-se de alguma maneira.
Nos últimos anos, sobretudo depois de 2003-04, assistimos ao aparecimento de uma série de ferramentas, através da Internet, de auto-publicação e de criação de redes sociais, que permitem aos indivíduos, por um lado, seleccionarem com muito mais detalhe as suas dietas pessoais de “media” e, por outro, partilhar o que vêem, ouvem e lêem, mas também o que pensam.
Apesar disso ter acontecido na Internet, seria errado pensar que este é um fenómeno que se confina à Internet. Isto teve, está a ter e terá ainda mais ramificações noutros meios. Hoje em dia não se concebe uma relação entre quem faz um jornal e os seus leitores que não passe por alguma forma incrementada de atenção ao que as pessoas pensam. São muitas as tipologias de interacção, desde a disponibilização dos endereços de correio electrónico dos jornalistas a espaços para comentários, mas elas existem e não se confinaram à Internet.
Esse potencial está a ser aproveitado?
O campo tornou-se muito mais complexo, mas também mais rico. Hoje já é difícil identificar fluxos de informação muito lineares de quem produz para quem consome. Contudo, há muitos órgãos de informação que só nominalmente é que estão a aproveitar estas novas potencialidades: disponibilizam os endereços de correio electrónico dos jornalistas ou espaço para blogues, mas é quase só porque parece bem terem estas ferramentas, uma vez que depois nada fazem com aquele material.
Para além disso, há nalgumas sociedades, e Portugal será um exemplo disso, um défice de participação cívica. Durante anos e anos, as pessoas habituaram-se a não interagir com frequência e com facilidade com os jornais. Lembremo-nos que, há 10 ou 15 anos, para se interagir com os jornais, era preciso escrever uma carta ao senhor director, pôr um selo e metê-la no correio, o que implicava um investimento pessoal muito grande em termos de tempo e dinheiro. Eventualmente, passadas umas semanas, recebia-se uma resposta-tipo de três linhas a dizer que o jornal agradecia o comentário.
Podemos ter da parte dos “media” alguma resistência a aceitar a “interferência” dos leitores, ouvintes, telespectadores, mas também podemos ter os cidadãos a acharem que não vale a pena participar, pois o que vão dizer não vai ser escutado. A combinação destes processos leva a que a participação ainda seja limitada, muito pouco dinâmica, e que haja poucos resultados efectivos da contribuição dos leitores, ouvintes, telespectadores para a definição do produto que é apresentado.
Este cenário implica que os diferentes actores reaprendam os seus papéis?
Se imaginarmos o melhor cenário possível, implica, de facto, alterações para todos os actores. Há quem imagine o pior cenário possível, que é dizer que os “media”, nesta altura, já são redundantes: já não precisamos dos jornais, da rádio e da televisão porque o cidadão individualmente vai à procura da informação. Pessoalmente, considero que, pelo menos para o enquadramento português, isso não tem nenhuma sustentação na realidade. A maior parte das pessoas não teria sequer competências básicas de domínio das ferramentas para procurar a informação relevante.
Por outro lado, continuo a acreditar que as pessoas, tal como confiam nos médicos, advogados, professores ou polícias, também confiam num profissional que seja capaz de, com honestidade, lhes dar uma imagem do que está a acontecer. A nossa sociedade sedimentou-se com base na especialização e delegamos nas outras especialidades a gestão de parte da nossa vida. Esse funcionar social ainda mantém alguma validade. Há já muitas mais nuances nesse viver, mas ainda mantém alguma validade.
Mesmo mantendo-se alguma validade, isso não quer dizer que as posições relativas de cada actor neste processo se tenham mantido estáticas. Ser jornalista hoje em dia é muito mais exigente do que há 20 anos. Ser jornalista hoje já não significa só saber escrever bem e integrar-se bem numa redacção. Significa estar muito mais atento ao que as pessoas dizem, integrar muito mais os seus contributos e ter uma atitude que eventualmente nos últimos anos não foi tida, que é a de honesta humildade, que passa por pensar que se sabe muito pouco sobre determinado assunto, procurar quem sabe mais e apresentar isso de forma transparente, para que possa ser julgado.
Há uma mudança interessante na profissão: sendo necessário que seja mais especializada, mais fiel aos factos, também é preciso que se abra mais. O jornalismo vive entre a pressão para se especializar, para ser mais consistente, mais competente, mas igualmente para se abrir mais e para integrar mais os contributos das pessoas.
E os cidadãos?
A educação para os “media” é uma competência que teria de estar mais vincada no currículo do ensino obrigatório. Se há 20 ou 30 anos ser competente para estar atento aos “media” envolvia pouco mais do que saber ler bem, hoje isso é insuficiente porque o mundo é muito mais complexo e globalizado e as coisas acontecem a um ritmo muito maior.
Se há mais exigências para os jornalistas também há mais exigências para o cidadão. Os cidadãos devem não só perceber os conteúdos que lhe são oferecidos, mas saber utilizar ferramentas de interacção para, se tiverem vontade, exprimirem a sua opinião, para fazerem sugestões, para publicarem conteúdos.
Se, por um lado, temos uma cultura informativa que parece ter valorizado mais o cidadão, por outro, o cidadão também tem de se valorizar mais a ele próprio. Não chega os jornais abrirem espaços para a participação. Importa que as pessoas também saibam participar e acrescentar valor, com respeito, dignidade e correcção. Uma das queixas que às vezes é usada como desculpa para não se abrirem mais os jornais aos contributos dos leitores, é que, quando se abrem as caixas de comentários, metade são insultos ou insinuações não comprovadas. Há um caminho a percorrer por parte das empresas, dos jornalistas, mas também por parte dos cidadãos. Se quero ter o direito a participar, tenho de saber participar...
Esta é uma indústria que está habituada a reinventar-se, pelo que acredito que a empresa, o jornalista e o cidadão vão saber reinventar os seus lugares relativos nesta relação, que se espera mais equilibrada.
É ponto assente que o que se passa na Internet não pode ser ignorado?
O que se passa na Internet não pode ser ignorado, mas também não pode ser sobrevalorizado. Agora já se fala menos dos blogues – fenómeno que sempre achei que não devíamos sobrevalorizar – e fala-se mais de redes sociais. Estas são ferramentas que estão, de facto, a mudar as relações sociais entre as pessoas. Elas estão a aproximar pessoas, na medida em que permitem barreiras geográficas ou de outro tipo que se criariam naturalmente no convívio pessoal. Através das ferramentas da Internet, as pessoas ligam-se pelas ideias e não pelo que vestem.
No entanto, não sou ingénuo ao ponto de pensar que nestas redes não se replicam estruturas de poder, porque se replicam; que não se replicam comportamentos desviantes, porque replicam. Para o melhor ou para o pior, na “net” não estão uns seres transparentes e limpinhos, estamos nós. Na “net” estão as pessoas, que têm comportamentos de pessoas.
É muito difícil argumentar que estas coisas continuam apenas a ser uma moda. Já são moda há demasiado tempo. Elas vão-se reconfigurando, mas há um padrão, há traços permanentes: o indivíduo vai ter múltiplas formas de se auto-exprimir, de auto-publicar os seus materiais e de se relacionar com os outros não presencialmente.
As novas redes sociais “online” podem provocar uma reconfiguração da sociedade?
Apesar de todos os exageros e coisas erradas que existem, este momento tem a vantagem de ser de pureza, em que as estruturas pesadas do nosso viver social ainda não têm um domínio destes espaços. As pessoas conseguem organizar-se por interesses pessoais, por temas. É muito natural que as estruturas tradicionais percebam que têm de estar presentes e tentem entrar e que se venha a perder alguma inocência da organização “ad hoc”.
Contudo, não sei se vai ser mais possível continuarmos a imaginar que a nossa vida social se organizará de acordo com estruturas tão compartimentadas como até agora: para as reivindicações laborais temos os sindicatos, para votar temos os partidos, etc... Imagino que as pessoas vão querer ter associações mais livres, menos permanentes, mas mais de acordo com os seus interesses de determinado momento. Nesse enquadramento, pode ser que as pessoas estejam menos tempo presas às coisas, mas tenham mais disponibilidade para se ligarem a mais coisas. Esse será um mundo mais flexível. Não acho que isso seja necessariamente bom ou mau. O que importa é adaptar a nossa presença a essa realidade.
Ai de quem não usar a última ferramenta disponibilizada?
Como em todas as áreas, há quem ache que o próximo canivete é o canivete mágico. É a coisa que nos vai livrar de todos os problemas. Agora é que é. Mas, na verdade, até agora nunca tem sido porque o que nós fazemos com as coisas é utilizá-las para a nossa vida. Não são as ferramentas que determinam a forma como vivemos a nossa vida. O que fazemos é apropriarmo-nos das ferramentas para lhes dar uma determinada utilização. Se nos facilitam a vida nós utilizámo-las, se não facilitam deixamos de usá-las. A nossa vida vai mudando, mas tem muitas permanências.
Acho muito salutar estar atento às ferramentas e usá-las de uma forma salutar. Deve ser uma existência muito agoniante embarcar nesta moda e daqui a três meses mudar para outra coisa nova e assim sucessivamente, sempre com a sensação de que estamos de fora. Com certeza estamos sempre de fora de alguma coisa. Temos é que perceber o que é que para nós é importante. Se determinadas coisas forem importantes para a nossa vida, é importante participarmos nelas. Se não forem, não vejo problema nenhum em não participarmos.
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
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