A Comissão Episcopal Vocações e Ministérios criou um espaço no MySpace, as dioceses de Aveiro, Algarve e Madeira têm contas no Twitter e o Bispo do Porto divulgou as mensagens de Natal e Quaresma no YouTube. Estes são apenas alguns exemplos do que está a ser feito a nível nacional para que a Igreja esteja presente na Internet, uma área que já não é possível ignorar. O caminho que tem sido seguido não é uniforme, traduzindo diferentes entendimentos sobre o papel que a Internet deve desempenhar no anúncio da Boa Nova. Há quem não tenha correio electrónico ou página “online” e uma breve navegação permite perceber as diferenças abismais entre sítios com características dos primórdios da Internet e outros com (quase) todos os recursos da designada “Web 2.0”. A reacção das pessoas aos projectos em que foi feita uma aposta na qualidade do que é posto em linha mostra que esse investimento acaba por ser recompensado. A receita para o sucesso inclui o profissionalismo da estratégia de comunicação e a apreensão das características do meio, de maneira a passar a mensagem de forma adequada. Cada vez mais, a Internet exige da Igreja uma “atitude à Jesus”, ou seja, falar no meio dos homens em pé de igualdade, nomeadamente nas redes sociais. E deixa o desafio para que haja cada vez mais “cristãos upload”, que dão o seu contributo na rede global, e não apenas “cristãos download”, que aproveitam o trabalho dos outros. No dia 24 de Maio assinalou-se o 43.º Dia Mundial das Comunicações Sociais e o Papa Bento XVI propôs como mote para reflexão o tema “Novas tecnologias, novas relações. Promover uma cultura de respeito, de diálogo, de amizade”.
São freiras de clausura, mas não deixam de ter uma página na Internet. Logo que se clica aparece um sítio com a fotografia da comunidade do Carmelo da Imaculada Conceição, da sua “casa” no Bom Jesus, em Braga, e um endereço de correio electrónico. O contacto carmelobraga@carmelitas.pt é usado para as pessoas exporem os seus problemas às carmelitas e para lhes pedirem que os tenham em conta nas suas orações. As religiosas respondem e acompanham o desenrolar das histórias, muitas vezes também por “email”. Para este grupo, a Internet tornou-se num instrumento para comunicar com o exterior e para dar a conhecer ao mundo a congregação. A página, embora muito rudimentar e praticamente sem informação, já tocou o coração de uma mulher, que decidiu tornar-se consagrada de vida contemplativa.
A irmã Maria da Paz de Cristo é uma das religiosas para quem o correio electrónico se tornou numa ferramenta do seu dia-a-dia de trabalho, uma vez que aumentou a rapidez dos contactos e diminuiu os custos. A religiosa tem um “mail” com o seu nome, que usa para comunicar com os outros nove carmelos existentes em Portugal, com os superiores da congregação ou para divulgar junto da comunicação social as actividades que a comunidade promove. Em oito anos de utilização de correio electrónico só recebeu uma mensagem que considerou inadequada, pelo que a apagou imediatamente.
A religiosa sublinha que não perde tempo com a Internet e que os locais por onde navega são criteriosamente seleccionados. «Como temos o tempo muito preenchido, temos de fazer opções de valor. Não temos Internet por ter. A Internet é um instrumento de trabalho. Não nos vamos pôr a pesquisar à toa», explica.
O mesmo se aplica para os programas que a comunidade vê na televisão e para as publicações que recebe. «Temos que seguir certas normas de prudência e não podemos perder tempo. Há muita coisa que não nos interessa. Estes meios podem ser muito bons, mas têm de ser bem utilizados», refere.
Apesar da navegação cautelosa na Internet, a comunidade decidiu avançar com uma página, que inclui fotografias das freiras. No início, algumas pessoas manifestaram-se surpreendidas pela sua existência, uma vez que se trata de uma comunidade de vida contemplativa. No entanto, depressa o sítio se tornou num factor de ligação ao exterior, nomeadamente através do correio electrónico, que progressivamente tem vindo a substituir as cartas. «Sim, devemos manter o recolhimento, a separação do mundo, mas não alhear-nos dele. Devemos tê-lo presente para o entregar a Deus, com todas as preocupações que o envolve», afirma.
A irmã Maria da Paz de Cristo diz que o balanço da existência desta página na Internet é positivo, uma vez que tem servido para divulgar a comunidade, que actualmente é constituída por 18 freiras, tendo a mais nova 36 e a mais velha 91 anos. «Não se pode pretender que as pessoas queiram o que não conhecem», adverte.
A freira destaca que deve ser dada uma atenção muito particular aos jovens, que correm o risco de navegar à deriva por águas perigosas, sem valores que os norteiem. A pensar nos jovens que por ali poderiam passar, as religiosas deixaram um texto escrito especificamente para eles, intitulado “Queres ser feliz?”. E foi, justamente, esse convite que despertou a vocação de uma mulher, que acabaria por se tornar carmelita, e também a curiosidade de um homem. «Deus interpela quando menos se espera», frisa, defendendo que a Igreja deve «dar ensinamentos» para que as novas tecnologias «sejam bem utilizadas».
Cristãos pouco preparados para o debate
Presença muito diferente na Internet tem a Companhia de Jesus, nomeadamente com o portal EsseJota ou o blogue Companhia dos Filósofos. Participante assíduo em debates “online”, o jesuíta Alfredo Dinis defende que a Igreja deve ter uma intervenção activa na Internet, usando uma linguagem adequada ao meio.
O director da Faculdade de Filosofia de Braga considera que esta é uma área fundamental, na medida em que permite chegar a um público diversificado. O professor universitário pensa que é necessário aproveitar meios como os blogues (páginas que qualquer pessoa pode ter gratuitamente e sem que seja necessário possuir conhecimentos de programação, uma vez que os sistemas de criação e edição apresentam passos muitos simples de seguir) para «chegar a pessoas que habitualmente não vão à missa, aos retiros ou a outras actividades, mas que passam por ali e metem conversa».
«A Igreja tem um meio de “compensar” o fenómeno do esvaziamento das igrejas, da falta de pessoas na missa ou do aumento de crianças que não são baptizadas ou não vão à catequese, mas ainda não o levou muito a sério. É uma área que devemos levar mais a sério. Sinto quase uma certa ironia por parte de pessoas que não estão tão voltadas para estes meios, como se isto fosse um passatempo de quem tem ideias modernas», afirma.
Em seu entender, a actividade que tem desenvolvido, quer no blogue da Comunidade Pedro Arrupe, que conta com 22 elementos, 18 dos quais jovens estudantes de Filosofia, quer noutros locais, é de «autêntica catequese». «Não catequese no sentido mais tradicional do termo, de ensinar doutrina às crianças, mas catequese numa perspectiva mais moderna, de explicar com palavras que toda a gente possa entender as questões que mais problemas de compreensão causam, sobretudo aos não cristãos, mas também a muitos cristãos», justifica.
Alfredo Dinis tem participado em debates suscitados por quem discorda das posições da Igreja, como no Portal Ateu, e reconhece que existem graves lacunas ao nível da capacidade de diálogo dos cristãos com os não crentes. «Há cristãos que aparecem a dizer aos não crentes: “acredita no Senhor Jesus e serás salvo” e “vou rezar por ti”. Isso revela que há dificuldade em argumentar e encontrar uma linguagem adequada. Os cristãos não estão preparados para isso, o que é grave. Se queremos continuar a anunciar o Evangelho de Jesus, não podemos estar a repetir esquemas e chavões da nossa catequese», declara.
O académico identifica também um «equívoco», que se verifica mesmo entre «padres e cristãos comprometidos», que é o de se achar que é «uma perda de tempo» o diálogo com os não crentes porque eles não se querem converter. «Como não temos esperança que depois de um certo diálogo estas pessoas venham pedir o baptismo e a confissão, então não vale a pena estarmos a perder tempo com eles. Esta é uma perspectiva muito imediatista do que é a evangelização», explica.
Alfredo Dinis refere que um dos objectivos do blogue Companhia dos Filósofos, que tem aproximadamente 200 visitantes únicos por dia, é a formação para o sacerdócio, treinando «uma atitude, linguagem e maneira de estar com os não crentes que sejam adequadas aos nossos tempos». O docente admite que é um «exercício de humildade» para um padre ser tratado em pé de igualdade nas caixas de comentários ou nos fóruns. «É preciso aprender a estar com as pessoas sem estar num pedestal».
O jesuíta considera que «começa a haver passos muito tímidos» no sentido de corresponder aos desafios dos novos tempos, mesmo por parte da hierarquia da Igreja, com a dinamização das páginas das dioceses ou a colocação de vídeos no YouTube» (a página http://www.youtube.com pode ser usada para ver e colocar gratuitamente vídeos em linha).
Contudo, declara que os responsáveis pela hierarquia «deviam aprender a linguagem da comunicação dos mass media e do público em geral». «Não se pode usar a mesma linguagem quando se está a falar para um jornalista, para um grupo de fiéis na paróquia ou para responsáveis pela pastoral, mas a impressão que eu tenho é que muitas vezes não há diferenças», alerta. Por isso, defende que os bispos e os cristãos com responsabilidades devem «ouvir profissionais acerca da linguagem e argumentação mais adequada a cada caso».
Igreja tem de «fazer algo pelo ser humano»
O professor da Faculdade de Teologia de Braga João Duque defende que «a Igreja tem de estar presente nos sítios onde se dizem coisas». «Pelo menos desde São Paulo que a Igreja tem vindo a usar todos os meios possíveis para dizer o que tem a dizer. Até teve um lugar de topo no desenvolvimento das novas tecnologias», relembra.
João Duque é colaborador da revista digital ecuménica “Cristo e a Cidade”, que surgiu há um ano por iniciativa de Elias Couto, aproveitando «as possibilidades dos novos tempos». A revista procura reflectir sobre as implicações que a fé cristã tem do ponto de vista da cidadania, encarando o cristianismo no contexto urbano. «O nosso compromisso era – e é – não nos ausentarmos da praça pública, onde se decide o presente e o futuro da nossa “cidade”», pode ler-se na página na Internet.
A publicação só existe pelo facto de ser digital, o que diminui os custos. Por outro lado, tem um potencial de distribuição maior, uma vez que é gratuita e pode ser lida em qualquer parte do mundo. No primeiro ano de actividade, a revista digital conquistou uma média mensal de cerca de 600 leitores. «Há um público interno, que poderia ser público de outras revistas do género em papel. Mas temos visitantes que não conseguimos identificar e que poderão ser até não crentes, que nunca passariam pela revista se ela não estivesse “online”», explica.
O docente sublinha o potencial de divulgação que a Internet tem, constatando o seu efeito multiplicador, por exemplo, quando há retiros e outras actividades que são divulgadas “online”. «Há muitos participantes que não teriam vindo se não tivessem encontrado a informação na Internet», afirma.
No entanto, ressalva que «a Igreja tem um sentido mais profundo». «A sua missão não é apenas lançar uma mensagem. Vai mais fundo: fazer algo pelo ser humano. Na sociedade contemporânea há muito a fazer pelo ser humano que não se consegue fazer na Internet. É preciso trabalho de rua, no local, de acompanhamento das pessoas», diz.
O docente universitário recorda que «a Igreja nunca foi especialista em modas», pelo que este «é mais um meio que se introduz» para comunicar. «Sendo este meio muito importante, não se pode esquecer o contacto directo com as pessoas», adverte.
João Duque destaca o trabalho de proximidade que existe, por vezes de contacto quase diário com as pessoas nas paróquias e movimentos, que é um património de valor incalculável: «Seria uma perda do ponto de vista social, e não apenas para a Igreja, se essa ligação deixasse de existir».
O académico refere que a Igreja «não tem medo de participar», contudo admite que ainda há alguns «cristãos comodistas». «Há leigos cristãos suficientemente preparados e elucidados que podem e devem participar sem estarem à espera que sejam os padres ou os bispos a intervir», argumenta.
Em relação à participação de bispos em debates na Internet, o professor aconselha alguma prudência, que se relaciona com «o estatuto da palavra do bispo». «Ao ser-se nomeado para a função de bispo, assume-se o lugar de garante e vigilante da verdade básica da fé», recorda, sustentando que esta tarefa pode não ser inteiramente compatível com os «debates algo livres e descomprometidos» que se mantêm na Internet.
[Publicado no Diário do Minho, 18 de Maio de 2009]
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