sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

«Cada escola tem de se desenvencilhar da melhor forma que puder e souber»

Fundador do “Miúdos Seguros na Net” fala sobre presença online em segurança

A escola, a família e a comunidade são os três elementos fundamentais para que as crianças e jovens façam uma utilização ética, responsável e segura das tecnologias da informação. O fundador do projecto “Miúdos Seguros na Net” refere, no entanto, que «não existem linhas orientadoras, nem uma estratégia a nível ministerial» para os estabelecimentos de ensino lidarem com os desafios colocados pela Internet, pelo que «cada escola tem de se desenvencilhar da melhor forma que puder e souber». Em entrevista do DM via email, Tito de Morais alerta os pais para a importância de estarem presentes nos locais por onde os filhos navegam, mas resistindo à tentação de bisbilhotar. Na passada quarta-feira celebrou-se o Dia Europeu da Protecção de Dados, que serviu de mote para se falar da importância do protecção dos dados e da informação pessoal. (Entrevista publicada no Diário do Minho, a 28 de Janeiro de 2009)




Quais são os principais desafios que se colocam ao nível da protecção de dados, especialmente para as crianças e jovens?
É difícil estar online sem fornecer dados pessoais. Ao abrirmos uma conta de email ou ao aderirmos a uma rede social temos de fornecer dados pessoais. Crianças, jovens e adultos fazem-no diariamente. Assim, contrariamente ao que geralmente se pensa, o principal desafio que se coloca aos jovens não é tanto a simples publicação online ou envio de alguns dados pessoais através da Internet, mas o tipo de informação que partilham e com quem.

Que problemas têm sido detectados em Portugal na utilização da Internet pelas crianças e jovens?
Aqueles que fazem mais vezes as manchetes prendem-se com a utilização da Internet para crimes de abuso sexual de menores. No entanto, o cyberbullying – a utilização das tecnologias de informação e comunicação para deliberada e repetidamente assediar, ameaçar ou intimidar alguém – é bastante mais comum, podendo ter consequências igualmente devastadoras, sobretudo para crianças e jovens.

A colocação de vídeos no YouTube relançou a questão das novas tecnologias nas escolas. Que riscos comporta a colocação de imagens no YouTube?
Há quatro aspectos que devemos ter bem presentes na utilização da Internet em geral e dos serviços de partilha de vídeos como o YouTube, em particular: estes prendem-se com a noção da "persistência" dos conteúdos na Internet, da sua "pesquisabilidade", da sua "replicabilidade" e do facto de a Internet ter "audiências invisíveis".

Vejamos, por exemplo o caso do telemóvel, no ano passado, no Carolina Michaëlis. Persistência: o vídeo ficou registado para a posteridade, independentemente da vontade do seu criador, que posteriormente o removeu do YouTube. Pesquisabilidade: a partir do momento que o vídeo foi colocado online, qualquer pessoa pôde aceder a ele, mesmo depois de o autor ter retirado o vídeo original. Replicabilidade: apesar de o autor ter removido o vídeo original do YouTube, outras pessoas já antes tinham feito cópias, publicando-as noutros locais, totalmente fora do controlo do autor do vídeo original. Audiências invisíveis: o jovem autor do vídeo nunca imaginou que entre a sua audiência poderiam estar jornalistas e que estes pudessem dar ao seu vídeo uma audiência nacional.

Estes princípios aplicam-se também a casos como um passado em Évora, no qual os jovens publicaram no YouTube uns vídeos onde se exibiam a vandalizar automóveis e foram detidos em resultado do visionamento dessas imagens pelas autoridades policiais.

Este tipo de casos e outros já aconteciam anteriormente. A diferença é que hoje são registados e publicados online. Nesse sentido, serviços como o YouTube e outros da Web 2.0 até podem ser encarados como "meios auxiliares de diagnóstico", para detectar jovens que, por uma razão ou por outra, precisam de ajuda.

Os estabelecimentos de ensino estão preparados para lidar com estas questões? Há uma estratégia definida?
As escolas – tal como os pais – estão muito entregues a si próprias. Não existem linhas orientadoras nem uma estratégia a nível ministerial, pelo que cada escola tem de se desenvencilhar da melhor forma que puder e souber. Assim, infelizmente, as medidas tomadas para fazer face a este tipo de desafios resultam na proibição, no bloqueamento, na restrição pura e simples, o que é pena.

A escola, a família e a comunidade onde as crianças e os jovens se inserem constituem um triângulo essencial à promoção de uma utilização ética, responsável e segura das tecnologias de informação por crianças e jovens. A escola é essencial ao nível da adopção de abordagens educativas que são muito mais complicadas de implementar em casa ou na comunidade, por envolverem actividades de grupo.

A introdução do Magalhães está a ser acompanhada por cuidados de segurança na utilização da Internet?
De alguma forma sim, mas timidamente. Mas o problema não é do Magalhães. O problema é dos responsáveis pelo lançamento da iniciativa e-escolinhas. Uma estratégia eficaz ao nível da segurança online de crianças e jovens tem de passar por abordagens legais/regulamentares, parentais, educacionais e tecnológicas. Os cuidados de segurança com o Magalhães têm-se resumido à tecnologia. Nas restantes abordagens pouco ou nada se tem visto, o que é pena.

Os pais devem acompanhar o Hi5 ou o Facebook dos filhos?
Acho que não só devem acompanhar, como devem também aderir a estes serviços. Mas acompanhar não é o mesmo que bisbilhotar. A título de comparação: não vejo problema nenhum num pai frequentar a mesma discoteca que o filho. Agora, provavelmente, o filho não gostará é que o pai vá para a discoteca tentar meter conversa com os seus amigos. Com o hi5 e o Facebook é a mesma coisa. Assim, um dos conselhos que dou aos pais é que adiram a serviços como o Hi5, Facebook, MySpace, etc. De outra forma, estarão a excluir-se de uma parte cada vez mais importante da vida dos seus filhos. Sem aderirem, não saberão do que estão a falar. O outro conselho é que leiam com os filhos as recomendações de segurança que estes sites disponibilizam.

Os chats são um motivo de preocupação?
Sim, como todos os sistemas de comunicação síncrona, isto é, em tempo real, tal como os telemóveis ou mensageiros. Os contactos de pessoas potencialmente mal intencionadas com crianças e jovens é, por ventura, o principal medo dos pais. Por isso, é importante que os pais saibam e transmitam aos seus filhos os principais riscos a este nível: falar sobre sexo com estranhos online; interagir indiscriminadamente online com muitas pessoas desconhecidas; dar dados muito pessoais ou informação orientada para o sexo a desconhecidos; procurar relações românticas online ou solicitar contactos a muitos desconhecidos.

Os pais estão preparados para lidar com os desafios colocados pela Internet?
Esse é um dos problemas. Existe um fosso digital entre pais e filhos. Os filhos são nativos digitais. Já nasceram rodeados destas tecnologias. Os pais são emigrantes digitais que têm de aprender a lidar com estas tecnologias. E, infelizmente, muitas vezes não estão disponíveis para aprender com os filhos.

Encaram a segurança na Internet como um problema tecnológico – onde os filhos estão muito mais à vontade –, esquecendo-se que a segurança na Internet é fundamentalmente um problema de pessoas e relacionamentos, algo onde têm muito mais experiência que os filhos. Podem, assim, perder-se oportunidades de pais e filhos se poderem complementar nestas questão da segurança na Internet.

A preocupação com a utilização da Internet deve ser apenas com as crianças e jovens ou com os adultos também?
Com as crianças e os jovens por serem aqueles que são mais vulneráveis. Mas a questão da segurança na Internet deve interessar à sociedade como um todo. Os idosos, por exemplo, são outro público-alvo também particularmente vulnerável.

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