O recurso à emoção é uma tendência que vai continuar?
Eu não acho que o telelixo deva ser automaticamente identificado com o tratamento de questões mais ligadas ao espaço privado. Não devemos identificar o sensacionalismo com o registo emocional. As emoções devem ser alvo de tratamento jornalístico, mas aí o jornalista deve ter preocupações éticas e deontológicas acrescidas.
Não podemos tratar assuntos do registo emocional como se de outro registo qualquer se tratasse. Esse tipo de acontecimentos exige outra postura no terreno, outro registo do texto, outro enquadramento da imagem. O que se verifica é que os jornalistas tratam tudo da mesma maneira…
Vejamos, por exemplo, o caso da menina de Torres Novas, que foi entregue ao pai biológico na altura do Natal. Isso é notícia e, como tal, deve merecer tratamento jornalístico, mas com cuidados acrescidos. Enquanto jornalista, não posso correr desenfreadamente para o carro onde está a criança e começar a disparar flashes. Não percebo a razão que leva os jornalistas a montarem circos mediáticos em torno de determinados assuntos…
Nesses casos o que se verifica é que não há uma aprendizagem e os erros repetem-se…
Isso acontece porque não há uma reflexão sobre esta questão. Faz-se sempre da mesma maneira. Raramente se pensa que há várias formas de fazer jornalismo. O registo emocional exige uma ecologia do discurso e da imagem muito mais apurada. A responsabilidade social, que é extensível a todos os trabalhos jornalísticos, exige um tratamento mais aprimorado quando estão em causa matérias que têm a ver com o registo privado e emocional. Muitas vezes não é isso que se verifica.
E os programas como o “Jornal Nacional”, com Manuela Moura Guedes?
O “infotainment”, a ideia de que o jornalismo também deve entreter, comporta perigos enormes. Em primeiro lugar, acarreta riscos para a classe jornalística, porque o jornalista perde alguma da sua identidade profissional. Em segundo lugar, contém perigos para os consumidores de informação, porque estão a receber uma construção exacerbada do real. Como algumas emissões do “Jornal Nacional” ou do “Caia Quem Caia”. Às vezes, vemos aí jornalistas numa função que não é a sua. O jornalista torna-se numa parte activa e pode mesmo desencadear comportamentos menos adequados.
As pessoas ficam com a ideia de que é mais eficaz chamar a TVI do que contactar as instituições competentes, porque a intervenção da estação de televisão parece resolver os problemas, quando, na verdade, poderão estar em causa soluções apenas aparentes.
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