Estudo preliminar feito na cidade de Braga por investigadores da UM
O abuso contra as pessoas idosas atinge valores preocupantes, apesar da falta de visibilidade pública do problema e de haver poucas investigações em Portugal sobre o assunto. Um estudo preliminar feito em 2006, na cidade de Braga, mostra que 73 por cento dos idosos da amostra apresentavam pelo menos um indicador de abusos. Braga, Vieira do Minho e Coimbra são as três localidades onde arrancam as unidades de atendimento psicológico gratuito para pessoas com mais de 65 anos que se julguem vítimas de algum tipo de maus-tratos e negligência. (Reportagem publicada no Diário do Minho, a 2 de Dezembro de 2008)
Maria (nome fictício) tem 91 anos e vive infeliz num lar do Norte do país. Esta senhora sonha com uma «casinha pequenina» nas traseiras da habitação de um dos filhos, onde pudesse ficar «arrumadinha» no seu «cantinho». O seu sonho é voltar a ter a casa que um dia já possuiu, mas que os filhos venderam sem autorização. «Eu tinha uma casinha só minha lá na terra onde sempre vivi, onde criei os meus filhos e onde tenho todas as minhas amigas. Mas os meus filhos venderam-na sem eu saber....», conta.
A idosa foi visitar a irmã e por lá ficou uns dias. «Quando cheguei à minha casa vi-a toda fechada e comecei a chorar porque percebi aquilo que tinha acontecido... Eles venderam-me tudo e o que não venderam deram aos vizinhos. Venderam a casa e nunca vi tostão da venda. A casa era minha, eu é que tinha direito ao dinheiro da venda», afirma.
Maria foi a um lar ver um doente e foi naquele momento que ficou a saber que ia permanecer na instituição. «Enquanto estava lá com o doente, eles deviam ter estado a acertar os preços. Só sei que quando saí eles disseram-me que ia ficar aqui. Eles já tinham a minha mala pronta; já estava tudo tratado e a única que não sabia de nada era eu... Nem me perguntaram se queria vir para aqui ou não», explica.
As opiniões de Maria não são tidas em conta, mesmo nas decisões que afectam a sua vida. «Quando vim para o lar fiquei nem sei explicar como. Fiquei perdida, muito triste. Fiquei com aquela ideia de que uma pessoa passa uma vida a educar os filhos e a dar-lhes tudo de bom .... E quando vai para velha está sujeita a andar ao mando deles. Agora eles é que sabem tudo... Fazem as coisas nas minhas costas, trazem-me para um sítio que eu nem sabia, eu vim para aqui na inocência. Se fosse mais nova, ninguém passava por cima de mim», sustenta.
O testemunho desta senhora foi ouvido em 2004, constando do artigo “Factores de risco e indicadores de abuso e negligência de idosos”, da autoria do coordenador do Grupo de Estudos e Avaliação das Pessoas Idosas Vítimas de Maus-Tratos (GEAVI), representante português na International Network for the Prevention of Elder Abuse (INPEA) e professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho (UM), José Ferreira-Alves, no qual é sublinhada a importância de olhar com mais atenção para o fenómeno de abuso e negligência dos seniores.
No trabalho “Avaliação do abuso e negligência de pessoas idosas: contributos para a sistematização de uma visão forense dos maus-tratos”, este investigador destaca que «os maus-tratos e a negligência aos idosos serão um dos problemas de saúde pública onde será mais certo um aumento nas próximas décadas. É importante que a sociedade portuguesa se possa preparar para responder a este novo problema social, que parece não estar associado apenas a certos estratos da população, mas, antes, disseminado por todo o tecido social».
Negligência e abuso emocional são mais prevalentes
Um estudo preliminar realizado por José Ferreira-Alves e Mónica Sousa, em 2006, na cidade de Braga, mostra que 73 por cento dos idosos da amostra apresentavam pelo menos um indicador de abuso. Por “abuso” pode ser entendido «qualquer acto, voluntário ou involuntário, que provoque dor ou sofrimento na pessoa idosa ou que atente contra o seu bem-estar, violando os seus direitos enquanto ser humano», podendo ser infligido «pelos seus cuidadores, familiares, profissionais de instituições ou mesmo estranhos». No caso dos idosos, os abusos podem ser emocionais ou psicológicos, físicos, sexuais, exploração material ou financeira, abandono, negligência e auto-negligência».
A investigação incidiu sobre 82 pessoas, com idades entre os 63 e os 88 anos, que frequentam um centro de dia. Os investigadores chegaram à conclusão que cerca de 27 por cento dos inquiridos não apresentam qualquer indicador de abuso. Em relação aos 73 por cento que apresentam indícios de abuso, 28 por cento revelam um, 11 por cento dois, também 11 por cento três, 5 por cento quatro, igualmente 5 por cento cinco, 1,2 por cento seis, 7,3 por cento sete, 3,7 por cento oito e 1,2 por cento todos as possibilidade de abusos.
No artigo “Indicadores de maus-tratos a pessoas idosas na cidade de Braga”, José Ferreira-Alves e Mónica Sousa referem que o abuso mais apontado é a negligência (53,7 por cento), seguindo-se o abuso emocional (52,4 por cento), abuso financeiro (19,5 por cento) e abuso físico (12,2 por cento).
O estudo mostra que quanto pior é a percepção que as pessoas têm do seu estado de saúde maior é o número de indícios de abuso, nomeadamente abuso físico, emocional e negligência. Da mesma forma, quanto mais velhas as pessoas são mais indícios há de abusos físicos e emocionais. Já as mulheres sofrem mais negligência do que os homens. A partir destes dados, os investigadores da UM referem que «parecem estar em maior risco de abuso as pessoas com mais idade, do sexo feminino e com percepção de má saúde».
[Foto Arquivo Diário do Minho]
1 comentário:
Impressionante. E como se há de dar a volta ao problema? Talvez começar por sensibilizar a classe política para a conveniência em arranjar maneira de os idosos, mesmo os "imobilizados", votarem. Aí talvez a sociedade seja impelida para pensar um pouco nos plenos direitos que como cidadãos têm. Talvez assim surgisse quem por manifesto interesse cuidasse dos seus direitos. Talvez assim quem hoje se preocupa pudesse encontrar novos meios para os fazer ouvir, se fazerem ouvir. Se eles não votam são assim votados ao desprezo. Ao desespero. @ornip.
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