quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Pôr os pais a falar

Os pais também sofrem com a perda gestacional. As atenções são centradas nas mulheres, mas a verdade é que os homens também sofrem, na maior parte das vezes, em silêncio. A Artémis – Associação de Apoio a Mulheres Vítimas de Aborto Espontâneo que ajudar a quebrar o silêncio que se instala após a perda gestacional.

A associada da Artémis Lúcia Matos refere que «os testemunhos do lado masculino são raros no Fórum da Associação, mas a pouco e pouco os pais têm vindo a perder a sua timidez e a ganhar coragem para exteriorizarem alguns dos seus sentimentos, o que vem ajudar bastante as suas mulheres no seu processo de luto, porque falar ajuda».

«Genericamente, o marido ou companheiro da mulher remete­se ao silêncio, que na maior parte dos casos a mulher não consegue suportar, originando mais angústia, porque a mulher exterioriza mais facilmente todos os seus sentimentos», explica esta vítima de perda às 39 semanas.

Em seu entender, «esse tipo de comportamento masculino, tipicamente resulta da sua própria forma de defesa e de não mostrar fraqueza perante a mulher, apoiando­a em tudo e procurando desta forma fazer com que ela supere melhor esta fase».

Dário, que perdeu três filhos, confirma que fez «um esforço titânico» para ser forte perante a mulher. «Para ajudar a Ana, fui guardando todos estes sentimentos dentro de mim, abafei a dor e achei que com o tempo ia sendo cada vez menos penoso, mas puro engano».

Este pai conta, no Fórum da Artémis, que «só ultimamente» é que se apercebeu que quase não chorou a morte dos seus meninos. «Praticamente não me permiti sofrer, porque achava que o facto de ser homem e não ter aquela ligação umbilical com os meus meninos como a Ana tinha pelo facto de os ter dentro dela, a verdade é que eu sofri tanto como ela, não a dor física é verdade, mas acho que preferia a dor física a este sentimento de vazio, de perda, de falhanço como homem por não conseguir dar um filho à mulher que amo»¬, revela.

Também ele ouviu «as bocas do costume»: «não te preocupes que para a próxima resulta» ou «não perdeste um filho, mas um projecto». «Quando penso nisso tento relevar, mas o facto é que me sinto magoado. Para mim, não era um projecto era uma vida, uma vida que eu e a Ana criámos e que, apesar de não vingado, já amávamos e eu continuo a amar», sublinha num texto que pode ser lido no boletim trimestral da Artémis.

Filipe, que perdeu o filho às 39 semanas, também se sentiu magoado com algumas reacções. «Cada vez que vemos um bebé, cada vez que vemos pais a brincarem com os filhos, cada vez que nos imaginamos nessa posição... O vazio é enorme. Falta algo, falta o nosso Tiago. Muita gente não percebe isso. Apenas dizem que era pior se ele já tivesse nascido, que somos novos, que ainda há muito tempo pela frente, que... Não percebem! O nosso Tiago não foi uma coisa que desapareceu. Nunca o vi, mas já era o nosso filho! É o nosso filho. O nosso primeiro filho! Eu sei que só querem ajudar, mas fazem pior», afirma.

Como forma de enfrentar a perda, Dário aconselha os homens a falarem: «O meu conselho para todos os pais que estão na mesma situação que eu é que não guardem este sentimento de perda dentro de vocês, não façam como eu e não esperem quase quatro anos para desabafar. Desabafem, deitem tudo cá para fora. Guardar tudo para nós é terrível».

[Publicado no Diário do Minho, a 20 de Agosto de 2008]

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