sábado, 12 de julho de 2008

«Não é por tirar um peito que a vida acaba»

Voluntárias apoiam vítimas de cancro de mama a vencer e viver

O Movimento Vencer e Viver apoia mulheres vítimas de cancro de mama. A ausência do seio, a queda do cabelo e a relação com os companheiros são questões difíceis de ultrapassar.

Joana (nome fictício) chega com uma passada segura em cima dos tacões finos para mais um dia de voluntariado no Hospital de S. Marcos. Pousa o saco e veste a bata branca. Dá um jeito com a cabeça para que o cabelo impecavelmente arranjado fique direito. Foi justamente o cabelo um dos principais motivos de sofrimento quando soube que tinha cancro da mama. Recusou-se a aceitar o diagnóstico durante algum tempo. Chegou a perder a vontade de viver. Mas as voluntárias do Movimento Vencer e Viver deram-lhe alento para continuar. A experiência foi de tal forma marcante que hoje é ela que dá o seu testemunho. Porque nada melhor do que uma mulher elegante, com um busto invejável, para motivar as outras.

Sentiu um módulo na mama, mas deixou andar na esperança de que passasse. Foi por insistência da irmã que foi à médica, que a mandou fazer os exames habituais. Quando foi fazer a ecografia, disseram-lhe que tinha de tirar o peito. «Foi como se me tivessem tirado o chão debaixo dos pés. Eu gritava, eu chorava, eu estava desesperada. Foi um choque muito grande», conta. Esteve uma semana sem se alimentar. Metia a comida na boca, mas não passava. Não conseguia sair da cama. Até que um dia saiu. Mas o caminho da aceitação da realidade ainda só ía a meio. Recusou-se a assinar a autorização para a operação. «Estava a contar com um milagre», admite.

Um dia encontrou as voluntárias do Movimento Vencer e Viver e ficou impressionada. Afinal, aquelas mulheres tinham vencido e não eram menos femininas por terem tirado uma mama. O ponto de viragem foi quando a coordenadora do grupo, Maria Helena Sousa, lhe contou uma história de um homem que vivia numa casa que começou a ficar inundada. O homem recusou todas as ajudas, desde os bombeiros até ao helicóptero, mesmo quando já se encontrava no telhado para fugir à água, porque tinha a convicção de Deus o iria salvar. Acabou por morrer e por ir ter com Deus para tirar satisfações. Deus retorquiu-lhe que o tentou salvar, mas ele não quis a ajuda de quem o estava a tentar resgatar. Joana percebeu que estava a desperdiçar as ajudas. E que, tal como o homem, poderia acabar por morrer por sua própria culpa. «E o milagre aconteceu», afirma.

A queda do cabelo foi dramática, apesar de admitir que a peruca até era interessante. Não permitia que o marido a visse desfigurada. Deitava-se com um lenço na cabeça. Compensava com baton e com lingerie bonita. Acabou por aceitar a doença e por seguir em frente. O filho de cinco anos foi uma motivação para lutar.

Agora, já fez a reconstrução mamária, mamilo incluído. Diz que é mais feliz do que era antes. Que já não é qualquer coisa que a derruba. E que tem a certeza de que a vida pode ser mais do que a existência medíocre que por vezes levamos. A missão que se auto-propôs é ajudar as outras mulheres com cancro, tal como a apoiaram a ela. Com um sorriso e elegância. Porque não é por tirado um peito que é menos mulher. Antes pelo contrário.

«O mundo desabou»

Pelo caminho até à cura Joana encontrou Lucinda Costa, que fazia voluntariado no São Marcos. Há sete anos, esta cabeleireira começou a emagrecer e rapidamente passou dos 55 para os 45 quilos. Fez vários exames, mas não se sabia exactamente o que tinha. Deu entrada no hospital para ser operada ao apêndice, mas acabou a falar com a enfermeira sobre um pequeno nódulo. Foi chamado um médico, que a mandou fazer uma biopsia. Era suposto o resultado só ser conhecido dali 15 dias, mas no dia seguinte estavam a telefonar-lhe para casa. Tinha um tumor maligno.

O mundo desabou quando chegou ao carro, que estava no parque junto ao S. Marcos. Chorou compulsivamente. Pensou que ia morrer. Pensou em suicidar-se para poupar o marido e os três filhos. A pergunta “porquê eu” martelava-lhe na cabeça. Não conseguia compreender.

Acabou por encarar o problema. Tirou uma mama. Depois da operação, saiu do hospital desorientada, porque naquela altura ainda não havia quem lhe desse muito apoio. Foi tentar comprar uma prótese, mas era muito cara. Meteu algodão. Não sabia se podia trabalhar, mas trabalhou. Sofreu com a queda do cabelo, mas não desistiu de ser bonita. Passou a arranjar-se mais. Conseguiu umas lentes coloridas. Contudo, mesmo assim, ficava pensativa quando via mulheres atraentes na televisão. A praia era um motivo de aflição. Melindrava-se com qualquer coisa que o marido lhe dizia, mesmo que claramente não fosse por mal.

Não voltou a pensar em desistir. «Ganha-se uma nova força de viver. Chega-se ao fim do dia e pensa-se que foi mais um dia que passou», afirma. Com o tempo foi ganhando consciência de que «não é por tirar um peito que a vida acaba. Se calhar uma operação à barriga é bem mais grave, mas ninguém liga porque não é tão visível e não está tão ligada à feminilidade», explica. Recuperou a alegria de viver. Trabalha, faz roupa para o Carnaval da sua aldeia e gosta de ir à discoteca. Usa decotes e roupa justa.

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