Força de vontade ajuda a ultrapassar adversidades
Não há consenso sobre a relação entre o estado psicológico e a evolução da doença. Mas certo é que a motivação ajuda na colaboração com o tratamento, o que é muito importante.
Joaquina sorri. Sorri muito e de uma forma descontraída, que lhe faz aparecer duas covinhas na cara. Garante que só chorou uma vez desde que descobriu que tinha cancro de mama. Sofreu com a queda do cabelo, talvez mais do que com a ausência de um seio. Agora está a fazer reconstrução e já mostrou a «mama nova» ao marido, que sempre esteve ao seu lado. Tem 51 anos.
Ao tomar banho descobriu um talo. Como não sentia dores, adiou a ida ao centro de saúde. Por mostrar ao médico estavam uns exames feitos há dois anos, quando uma operação ao pulmão se tornou a prioridade do momento. Um mês depois, foi ao médico. E foi fazer exames. Ao fazer a ecografia mamária, disseram-lhe que tinham detectado qualquer coisa. Chamaram outro profissional. Perguntaram-lhe se queria fazer imediatamente a biopsia. Disse que sim. Ficou na sala a aguardar.
Uma amiga da filha que trabalhava naquele centro de diagnóstico viu-a e foi saber mais pormenores. Ficou transtornada. Tentou telefonar à amiga. Como não conseguiu, ligou a uma colega, que por sua vez conseguiu falar com a outra filha de Joaquina. A jovem telefonou para o centro e, a chorar, falou com a mãe. Joaquina apercebeu-se de que algo estava errado. E chorou. Foi a única vez.
Passou o fim-de-semana. Segunda-feira foi ao Hospital de S. Marcos. Terça voltou para fazer uma biopsia. Fez três biopsias e nada. Não havia diagnóstico. Acabou por ser internada por causa de uma anemia. Voltou para casa para acabar de recuperar. Regressou, depois, à unidade de saúde para ser «operada ao peito e à barriga». «Explicaram-me tudo. Disseram que iam tirar o nódulo para analisar. Se fosse mau, que tiravam a maminha toda e que se não fosse que só tiravam o talo. Eu disse que estava preparada para tudo. Nem chorei», conta.
Tiraram-lhe o peito todo. Joaquina sublinha que nunca se deixou ir abaixo, porque sempre encarou tudo com força. Viu outras mulheres irem-se abaixo. E sentiu no interior de um peito dilacerado a importância do apoio das voluntárias do movimento Vencer e Viver. Criou-se uma rede de solidariedade. Muitas vezes brincavam. «Nem parecia que estávamos num hospital», admite. Acabou por ficar internada mais tempo por causa de complicações na área da urologia.
Oriunda de uma família com um longo historial de doença oncológicas – desde cancros de rim até cancro no cérebro, passando pelo cancro cólon-rectal – encarou a doença com a serenidade possível. «Sou uma lutadora, uma ganhadora», diz, sem falsas modéstias. Foi com esta atitude que encarou a doença. «Isto é para vencer», eis o lema.
Seguiu-se a quimioterapia. «A pior coisa foi perder o cabelo. A médica tinha-me prevenido para cortar o cabelo pequenino para não notar tanto, mas mesmo assim foi um choque quando comecei a ver a almofada cheia de cabelo e quando ele começou a cair às manadas durante o banho», relata. Estava surpreendida. Era suposto o cabelo só cair ao fim de dois meses e ainda só tinha passado um. Ficou a tremer, perante o riso carinhoso de uma das filhas.
Arranjaram-lhe uma cabeleira parecida com o cabelo dela. Houve até quem não se apercebesse e elogiasse o penteado impecável. Joaquina sentia-se incomodada. Andava sempre a puxar a peruca com medo de que estivesse fora do sítio. Em casa, preferia os «lenços bonitos» que arranjou. Se por infelicidade tiver de voltar a passar pelo mesmo, dispensa a peruca.
Olhar-se ao espelho foi doloroso. «Ai meu Deus, que cena. Pareço um ET: careca, sem peito e com uma cicatriz em forma de cruz na barriga», foi o que lhe passou pela cabeça. Não deixou que o marido a visse assim. Não tirou fotografias. Mas lamenta não ter uma recordação de quando o cabelo começou a crescer e ficou cheio de caracóis. Ela, que tem o cabelo liso, sentia-se «tão bonita» com os caracóis...
Às vezes, quando estava sozinha, questionava-se sobre o motivo da doença nela, que nunca tinha feito mal a ninguém. Suspeitava que Deus lhe queria mostrar alguma coisa. Havia momentos mais tristes, que combatia com energia. Varria os «maus pensamentos» e seguia em frente.
Pensou em não fazer reconstrução mamária. Afinal, já tinham passado quatro anos desde a operação. Hesitou, mas avançou. Como sempre faz. Com a mesma determinação. Só depois do início da reconstrução é que se mostrou ao marido. Confessa que está ansiosa por ter «mamas novas». Sim, porque também lhe vão retocar a outra para ficarem iguais. Lembra-se do busto de uma das voluntárias e sorri.
Com sentido de humor, conta que se recusou a ir para a piscina com a prótese. «O fato de banho é composto, mas mesmo assim imagine-se que o silicone caía na piscina e que toda a gente tinha de andar atrás dele....», graceja. Mais algum tempo e já não terá este problema. «Vão ficar jeitosinhas», perspectiva. E sorri. Mais uma vez.
No hospital, criam-se laços de solidariedade
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