sábado, 12 de julho de 2008

Falta de privacidade dificulta ajuda espiritual

O capelão do S. Marcos, padre Dias Pereira, refere que a falta de privacidade é um dos obstáculos à ajuda espiritual aos doentes, tanto no Hospital de Dia, onde as cadeiras estão colocadas em fila, como noutros sectores daquela unidade. Uma vez que as pessoas estão todas juntas, é difícil conversar com cada uma delas.

«O grande problema com que nos debatemos é encontrar um espaço que nos facilite o diálogo mais profundo com os doentes, para que eles abram a sua interioridade», afirma este sacerdote, que, juntamente com o padre Miguel Ângelo Oliveira, percorre diariamente a unidade de saúde.

O padre Dias Pereira sublinha que este é um problema da generalidade das unidades de saúde e não apenas do S. Marcos, que se sente de uma forma ainda dramática quando os doentes estão prestes a falecer. «Os momentos de agonia são muito complicados para os doentes e para as respectivas famílias, notando-se aí a falta de privacidade. As pessoas precisavam de mais espaço para chorar, para expressar os seus sentimentos, para estar mais à vontade», sublinha.

O sacerdote recorda que, «cada vez mais, as pessoas morrem no hospital», pelo que «a sociedade tem de pensar numa questão que «embora não sendo agradável é inevitável»: a morte. «Temos de dar dignidade à morte. É incómodo falar dela, mas é uma realidade que não podemos descurar», adverte.

Em relação ao trabalho de apoio espiritual, o capelão explica que a notícia de uma doença com o cancro «pode fazer abalar a fé». «Numa primeira reacção, muitas pessoas põem em dúvida a veracidade do diagnóstico, pensando que está errado. Se a pessoa é crente, questiona-se sobre que mal é que fez a Deus. Há uma revolta inicial. Depois, a pouco e pouco, há uma interiorização do problema», relata.

«As doenças fazem com que as pessoas parem para reflectir e repensar a sua vida. É um momento de se encontrarem consigo próprias, com a família e com Deus. Tenho encontrado pacientes que dizem que estão a fazer o exame de consciência à sua vida. A doença não é um castigo, uma desgraça, mas uma ocasião para reflectir, para valorizar ainda mais a vida», refere.

No tocante ao papel dos capelães, sublinha que «não é sacramentalista», mas sobretudo manter uma relação de amizade com os doentes. «Mais do que fazer prelecções, importa escutar as pessoas, valorizar os gestos, muitas vezes até um olhar, a presença, o silêncio», explica.

«O nosso papel era tido como a pessoa que vinha anunciar a morte, que trazia uma espécie de passaporte para o outro mundo. Com a nossa actividade do dia-a-dia, conseguimos alterar essa imagem. Não se nega a Santa Unção, mas tem havido menos pedidos, uma vez que também as paróquias têm trabalhado nesta área», acrescenta.

Em seu entender, «por vezes, confunde-se espiritualidade com religiosidade». «Todo o ser humano tem espiritualidade, ainda que não tenha uma relação com uma religião. A pessoa não pode ser compartimentada. A medicina pode cair no perigo de compartimentar o ser humano e esquecer-se de que os exames são importantes e a tecnologia dá uma ajuda preciosa, mas o doente não se resume à doença», adverte.

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